A Marvel precisou de cinco anos desde o seu maior triunfo nos cinemas com Vingadores Ultimato, para entender o declínio de sua fórmula replicada por mais de 15 anos e abrir espaço para o novo ao mesmo tempo que proporciona um encontro com aspectos essenciais, dentro de suas próprias narrativas.
A solução? Buscar temas que consigam acarretar numa identificação dentro do mundo real, que crie de forma palpável uma ligação genuína com a ponta: o espectador, criando um relativo distanciamento desse lugar repleto de CGI (computação gráfica) medíocre, raios azuis e ‘grandiosidades’ superficiais.
Aqui, assim como nos quadrinhos, os Thunderbolts* surgem como uma alternativa aos Vingadores, que chegaram ao fim com o Tratado de Sokovia, fruto do confronto entre o Capitão América (Chris Evans) e o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.) ainda em Capitão América: Guerra Civil (2016).
Ainda que a formatação do grupo nãos seja pensada de um forma fora da curva, ocorre de forma orgânica e com motivações coerentes: Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus) convoca Yelena Belova (Florence Pugh) para uma missão, mas ao chegar no local, se depara com John Walker, o Agente Americano (Wyatt Russell), de Falcão e o Soldado Invernal (2021),Fantasma (Hannah John-Kamen) e Treinadora (Olga Kurylenko). O que todos ali não contavam era que Allegra queria apaga-los da existência, mas a partir daqui, as coisas mudam de figura.
A Marvel em crise existencial
A era de ouro dos quadrinhos da Marvel (1938 a 1950), se baseava em seguir a contramão de sua principal concorrente: DC Comics, que naquele momento tinha se alavancado com personagens que perfumavam grandiosidade, poder, deuses que estavam acima de tudo e todos. A Marvel por sua vez construia um jovem comum, que tirava fotos, ‘se virava nos trinta’ para combater a criminalidade e pagar o aluguel.
O micro, o identificável e terreno, sempre esteve no âmago da editora. Construir, discutir e argumentar sobre multiverso, cosmos, viagens interplanetárias e espécies alienígenas é válido, bonito e legítimo, mas sem perder a linha que amarra tudo isso: o humano.
Ao mesmo tempo, é exatamente nesse ponto que a protagonista do longa, Yelena Belova, consegue transbordar em cena. Coberta pelo luto da perda da Natasha (Viúva Negra), ela se vê vazia, sem sentido para continuar, um sentimento de inutilidade que é preenchido por mais e mais trabalho, sem deixar tempo para pensar, para lidar com as lacunas presentes.
Thunderbolts* é um filme de anti-heróis sim, mas é ainda mais um filme sobre saúde mental, vazio existencial e relações interpessoais. Está longe de ser um longa sobre formação de grupo, é sobre o que é ser herói na vida real, com defeitos, inconsistências, fracassos, mas ainda assim buscando forças e se reerguendo em busca de algum sentido maior.
Consciência do próprio desgaste
A liberdade criativa é sentida de alguma forma nas telonas, seja no roteiro assinado pela dupla Eric Pearson (Thor: Ragnarok) e Joanna Calo (O Urso) que traz um olhar mais focado nas relações interpessoais e na construção dos personagens de forma mais individualizada, fazendo com que nos importemos com cada um dentro de seus próprios sentidos, ou até mesmo na direção com bastante assinatura do americano, Jake Schreier, que por ter optado por efeitos práticos, consegue entregar cenas memoráveis dentro de um formato que pouco se arriscou nos últimos anos.
O Marvel Studios parece ter aprendido que é possível fazer um filme de super heróis e construir outras narrativas para além do clichê. A boa surpresa trazida com Thunderbolts, ato que encerra a fase 5 do universo compartilhado, é um aviso que para fazer um bom cinema de herói as vezes é só lidar com as próprias histórias da mesma forma que a sétima arte lida consigo mesmo: investindo em narrativa, em construção de personagem, refletindo sobre temas complexos e agregando de forma genuína com uma história que pode e quer contar algo.
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