Wicked: Parte Um, é de fato uma daquelas raras exceções das películas hollywoodianas atuais que existem para legitimar a alma e legado da produção em detrimento de dólares e nostalgia prematura somente. Tudo no filme funciona, do elenco até a grandiosidade adaptada advinda dos palcos, que se desenvolve sem vergonha de ser o que de fato se é.
Muito desse vislumbre, passa pelo trabalho de Jon M.Chu, que além de transparecer sua própria assinatura na direção, consegue demonstrar o alto orçamento e grandeza da obra, preenchendo a tela de forma muito viva mesmo optando pela captação estática, decisão que coloca o público na posição de estar vivenciando uma experiência de teatro musical em essência, principalmente nos momentos de apresentação de novas locações para os personagens, como no anúncio da suposta morte da Bruxa Má do Oeste (Cynthia Erivo), na chegada dos protagonistas na Universidade Shiz ou até nas boas vindas a Cidade das Esmeraldas.
Um dos aspectos mais deslumbrantes, conseguimos ver no decorrer de cada frame. Aqui, o cineasta junto com a diretora de fotografia Alice Brooks, traduzem os minutos de tela num passeio fascinante por cenários vivos, que fogem de telas verdes chapadas. A plantação de nove milhões de tulipas para a gravação da obra, a construção de uma cidade inteira feita do zero e a montagem de um trem que pesa cerca de 16 milhões de toneladas, fez uma diferença palpável na percepção visual da terra mágica.
Porém, tudo isso não seria traduzido se não fosse a criatividade e senso estético do diretor de produção Nathan Crowley, que recria e aprimora aqui o trabalho realizado em Wonka (2023), outro acerto coerente e notável dele em mais uma obra que mistura fantasia, musical, drama e comédia. Dentro do pacote, o trabalho do figurinista Paul Tazewell, cria para o filme uma atmosfera orgânica, sobrenatural e por vezes até tecnológica, tudo de uma forma muito palpável. Uma mescla que traz nostalgia, manutenção e reverência à visão clássica presente no imaginário popular.
Wicked não abre mão de jeito nenhum em assumir para si mesmo a personalidade de blockbuster hollywoodiano, que é gravado e idealizado como tal. Porém, aqui parece que dos produtores ao diretor, da equipe de iluminação aos figurinistas, todos sabiam que cenas recheadas de CGI (Computação Gráfica ou ‘fundo verde pros íntimos’) não seriam suficientes para legitimar a história e muito menos conseguir transbordar as barreiras e limitações do público geral com os musicais.
É aqui que entra o cast, e como diz Scorsese, “O elenco é 90% do trabalho”. A escolha de Ariana Grande (Glinda) não chega a ser uma surpresa, mas sem dúvidas foi um estrondoso acerto. Grande entrega como a futura “Bruxa Boa do Norte”, uma leveza, expressão corporal e carga dramática dignos de grandes nomes da indústria. Para além disso, temos aqui a melhor performance da carreira de uma artista que já é uma das maiores vocalistas de sua geração.
O protagonismo de Cynthia Erivo é marcante e de longe o maior acerto do filme. Erivo sabe onde está pisando e entrega profundidade, vulnerabilidade, dureza, esperança e principalmente… ‘humanidade’ em cada fala do corpo e em cada farfalhar do olhar. Com uma voz esplendorosa, ela entrega para “Bruxa Má do Oeste”, a capacidade de respirar fundo enquanto se encontra na própria solitude e lhe permite ser ilimitada quando assume para si a capacidade de redefinir a gravidade e seus próprios limites.
É de tirar o fôlego o ápice do terceiro ato pela entrega do núcleo principal. Há quem não goste de musical, mas só em saber que todo trabalho de voz fora captado ao vivo, mesmo nos números acrobáticos, faz de Wicked uma obra de arte da primeira tulipa plantada no set até o último acorde ressoado no derradeiro dia de filmagens.