Com o tema “Até Que a Morte Nos Separe”, a quadrilha junina Amanhecer no Sertão, do Benedito Bentes, em Maceió, tem trazido para o meio junino um grito de socorro e dado voz e visibilidade às mulheres brasileiras que sofrem com qualquer tipo de violência. Com uma temática atual e necessária, o grupo conquistou a etapa Nordeste do concurso da TV Globo, no último domingo (29), em Goiânia, interior de Pernambuco.
Os destaques do espetáculo, o casal de noivos Michaely Vieira e Thiago Umbelino, que dão vida a Maria das Dores e João, respectivamente, conversaram com a CBN Maceió. Eles falaram do processo de construção desses personagens e da importância de trazer para o público um tema tão sensível e inovador através da arte e cultura, mas sem perder a essência do São João.
O enredo, do projetista Davi Perdigão, conta a história de Maria das Dores, uma mulher que se casou com João e passou a se enxergar presa dentro de um relacionamento abusivo, mostrando o agravamento das agressões com o decorrer do tempo, culminando com uma tentativa de feminicídio e com a prisão do agressor. Tudo isso contando de maneira intensa, dançante e marcante dentro dos tablados.
Para viver Maria das Dores, Michaely Vieira passou por um preparo profundo, pesquisando sobre o tema e ouvindo diversos relatos de vítimas reais da violência. Ela lembra que, por um momento, achou que não daria conta por tamanha responsabilidade.
“Quando o projetista Davi Perdigão me apresentou o tema e falou que a quadrilha dependia 80% da minha personagem, eu disse: vamos embora!. Só que depois começou a me bater uma aflição porque eu fiquei com receio de não dar conta de representar todas essas Marias, que existem no mundo. Mas aí eu fui lendo as matérias, fui escutando os relatos, recebendo muitas mensagens e isso foi que eu peguei pra mim para poder construir essa personagem”, contou.
O noivo da quadrilha e parceiro de dança de Michaely, Thiago Umbelino, revelou que tomou um susto ao descobrir que interpretaria um vilão e que quase desistiu do personagem. Mas, segundo ele, o casal passou por uma preparação de teatro essencial liderada pela diretora teatral, cantora e marcatriz da quadrilha, Gabi Ferreira.
“Foi um susto, um tema tão forte com um vilão. Confesso que eu quase desisti e me assustei. Mas quando a história vai acontecendo, a gente vai tendo uma luz. Então João, pra mim, foi um presente. E no mundo junino, você fazer um vilão, você tem que ter muito preparo e foi isso que aconteceu. A nossa marcatriz, Gabriela, é produtora de teatro, então ela fez um laboratório com a gente muito emocionante e muito lindo. A gente viveu histórias de pessoas reais, de vidas verdadeiras para que a gente pudesse entender e fazer o melhor papel possível”, explicou.
"Não é só sobre quadrilha, é sobre salvar vidas"
Diante do crescimento alarmante dos números de casos de violência contra as mulheres, a Amanhecer no Sertão ‘fura a bolha’ ao abordar um tema tão sensível através da arte, cultura e dança. É o que defende a noiva da quadrilha.
“Essa temática foi super necessária e também em um momento muito necessário. A gente pode ver os números alarmantes de violência contra a mulher. O que está acontecendo é que a Amanhecer furou a bolha. Não é só sobre quadrilha, é sobre salvar vidas, realmente. É sobre você tocar na ferida, é estar ensinando a criança o que deve fazer, é você mostrar à mulher que ela tem força e poder, e que ela pode florescer. E a Amanhecer está abordando isso com muita responsabilidade”, pontuou a noiva.
Thiago Umbelino ressaltou que a quadrilha junina vem se destacando nos últimos anos por abordar temas lúdicos e inéditos, mas sem perder a essência do São João.
“A Amanhecer sempre foi conhecida por fazer temáticas lúdicas, tipo cassino, videogame, quadrinho e a gente precisava dar uma renovada. E quando vem com esse tema social, foi inédito, como um protesto, como um grito que se precisava. E a resposta do público está sendo muito positiva. Então, é muito necessário para o mundo junino inovar”, afirmou.
Ele acrescentou, ainda, que mesmo diante de uma temática vulnerável, ele não tinha dúvidas de que o grupo alcançaria o objetivo, que é levar uma mensagem de conscientização para o público, sobretudo, de alerta e força para as mulheres que ainda vivem sob qualquer tipo de violência seja ela física, verbal ou sexual.
“Eu não tinha dúvida que a gente ia dar o máximo da gente, que ia conseguir atingir cada casa, não só em Alagoas, como no Brasil e no mundo. E eu fico muito emocionado a cada cena, a cada apresentação que a gente faz, eu saio muito emocionado, forrado de suor e lágrimas e é muito bom ouvir do público a resposta, é sinal que a gente está fazendo interpretando muito bem”, revelou o noivo da quadrilha.
Durante a apresentação em Goiânia-PE, a quadrilha alagoana levantou e emocionou o público e o corpo de jurados que aplaudiram de pé o espetáculo. A Amanhecer no Sertão se consagrou campeã pela primeira vez da etapa regional do concurso da Globo. Em Alagoas, ela conquistou o quinto título consecutivo.
A quadrilha traz para os tablados a resistência, sororidade e a união entre as mulheres, mostrando muito mais do que tradição, promovendo espaço de reflexão e, sobretudo, de denúncia.
Mín. 22° Máx. 25°