Os gritos e as batidas nas panelas ecoaram até mesmo em bairros populares, como a favela de Petare, no município de Sucre, na Grande Caracas. "E vai cair... E vai cair... Este governo vai cair!", bradavam os venezuelanos, ao marcharem pelas ruas, poucas horas depois de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) proclamar o presidente Nicolás Maduro ganhador do pleito de domingo com 51,2% dos votos contra 44,2% para o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, candidato da coalizão opositora Plataforma Unitária Democrática (PUD).
Enquanto os protestos se espalhavam por várias partes da capital e outras cidades, os mesmos gritos foram repetidos às 18h40 (19h40 em Brasília), quando a ex-deputada opositora María Corina Machado e o candidato presidencial Edmundo González Urrutia falaram à imprensa. "Quero dizer a todos os venezuelanos, dentro e fora do país, a todos os democratas do mundo, que temos como provar a verdade sobre o que ocorreu ontem na Venezuela. Nós vencemos!", disse María. "Emociona-me dizer que temos 73,2% dos votos e, com esses resultados, nosso presidente eleito é Edmundo González Urrutia."
De acordo com María Corina, nem mesmo se Maduro conquistasse 100% dos votos nas 26,8% das atas restantes, não seriam suficientes para ultrapassar Edmundo. "A diferença foi enorme, em todos os estados da Venezuela", garantiu a líder opositora, que anunciou a publicação dos registros de votação em um site. "Vários líderes mundiais estão comprovando (os dados)", disse. As denúncias de fraude e de irregularidades nas eleições de domingo atraíram forte condenação da comunidade internacional. María Corina convocou a população a se reunir, entre 11h e meio-dia de hoje (meio-dia e 13h em Brasília), em manifestações pacíficas em todo o país. Ontem, as forças de segurança usaram gás lacrimogêneo para dispersar a multidão em pontos distintos de Caracas.
"Devo dizer, com responsabilidade, a todo o povo venezuelano, que faremos respeitar a vontade popular através do voto. Este é o único caminho para a paz. Temos em mãos as atas que demonstram nosso triunfo categórico e histórico", declarou, por sua vez, Edmundo González. Ele pediu respeito aos milhões de venezuelanos que saíram para votar. "Vamos lutar por nossa liberdade", prometeu, ao destacar que atuará com calma e firmeza. O ex-diplomata alertou que "o anúncio prematuro de resultados, sem que tenham sido auditados, não é uma demonstração de liderança responsável". "Hoje, mais do que nunca, e fundamental que todos os setores democráticos se mantenham firmes, unidos e organizados."
Desestabilização - Ao ser proclamado vencedor das eleições, Maduro denunciou que "estão tentando impor um golpe de Estado de caráter fascista e contra-revolucionário na Venezuela". "Estão ensaiando os primeiros passos fracassados para desestabilizar a Venezuela e para impor outra vez um manto de agressões e dano à Venezuela", acrescentou. O procurador-geral do país, Tarek William Saab, acusou María Corina e os opositores Leopoldo López e Lester Toledo de envolvimento em "ataque cibernético" contra o CNE, supostamente organizado na Macedônia do Norte.
Entre as imagens mais simbólicas de ontem, uma viralizou nas redes sociais: um vídeo em que moradores do bairro Las Eugenias, na cidade de Coro (estado de Falcón), derrubam uma imensa estátua do falecido presidente Hugo Chávez. "Estamos vendo uma reação à fraude. As pessoas que protestam não são ricas, mas moradores de favelas. Elas consideram que as eleições foram roubadas", disse à reportagem José Vicente Carrasquero Auimaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV). "O que ocorreu em meu país foi uma fraude eleitoral. Não existe outro nome. A promulgação de Maduro pelo CNE violou as leis, que exigem a publicação das atas eleitorais antes da solenidade. É impossível ter acesso aos documentos no site do CNE", denunciou. O portal do Conselho Nacional Eleitoral está fora do ar desde a madrugada de domingo.
Juan Manuel Raffalli, professor universitário e advogado constitucional em Caracas, afirmou ao Correio que existe uma inconsistência em relação às atas eleitorais transmitidas e aquelas que estão sob posse da oposição. "Essa situação somente pode ser resolvida com a apresentação total das atas, por mesas, algo que não foi feito pelo CNE. A oposição segue coletando as atas, que mostram uma votação cada vez maior para Edmundo González. Isso coloca em sérias dúvidas esse resultado anunciado pelo CNE", disse.
Segundo ele, a proporção dos 12 milhões de votos depositados nas urnas seria, de acordo com a Plataforma Unitária Democrática, 70% para Edmundo González e 30% para Maduro. "È muito difícil que, com uma diferença dessa magnitude, possa produzir fraude. Sem a possibilidade de um processo de verificação e com as pessoas acudindo às ruas para protestar, a apressada proclamação de vitória de Maduro agrava a situação", acrescenta Rafalli. "Começamos a ver uma pressão nacional e internacional. Pode ter ocorrido a maior fraude ou ocultação de votos da história da Venezuela. Pelo que vi, Maduro perdeu em todo o país. A Venezuela, inteira, está indignada." O especialista não acredita em uma solução jurídica para o caos e aposta que a oposição precisará mediar o processo e convocar o povo a protestar.
Moradora de Petare, Katiuska Camargo falou ao Correio, por telefone. Ao fundo, era possível escutar o som de buzinas, panelaço e música. "Nós estamos insatisfeitos. Não queremos o governo de Nicolás Maduro. Ele não ganhou. O ganhador da Presidência da Venezuela foi Edmundo González. As ruas da Venezuela estão protestando", desabafou, às 20h (21h em Brasília), a gerente de serviços e ativista de direitos humanos de 47 anos. Ao ser questionada sobre o risco de uma reação massiva da população, que possa levar à queda do regime, Katiuska assegurou: "Hoje, inicia-se uma revolução cidadã, a qual não permitirá que nenhum governante vulnere nossos direitos". "É a democracia e a paz. Não queremos violência, queremos viver com dignidade, justiça e progresso. O Estado de Direito tem que ser restituído na Venezuela."